RTP em pólvora. Sandra Felgueiras alerta para «repercussões» após ida ao Parlamento

Sandra Felgueiras e Maria Flor Pedroso foram ouvidas, esta terça-feira, numa comissão parlamentar a propósito do alegado adiamento da exibição de uma reportagem que envolve um secretário de Estado.

03 Dez 2019 | 18:24
-A +A

Sandra Felgueiras não poupou na frontalidade durante a sua participação na comissão de Cultura e Comunicação que teve lugar, esta terça-feira, dia 3 de dezembro, na Assembleia da República. O propósito? Responder às questões dos deputados sobre o alegado adiamento da transmissão de uma investigação sobre a concessão de exploração de lítio no concelho de Montalegre, que envolve negativamente o Governo, nomeadamente o Secretário de Estado da Energia, João Galamba.

A emissão deste trabalho jornalístico, inserido no programa Sexta às 9, apresentado e coordenado por Sandra Felgueiras na RTP1, estaria marcada para 13 de setembro, mas tal só aconteceu a 11 de outubro, já os socialistas tinham saído vencedores das eleições legislativas.

Pela primeira vez, a jornalista admite que «era possível» transmitir aquela reportagem durante o mês de setembro, embora recuse a ideia de ter sido alvo de qualquer tipo de pressão. «Não há nenhum processo de intenções contra ninguém», frisou na comissão parlamentar, revelando que o adiamento da reportagem sobre o lítio lhe foi informado numa «reunião presencial com Cândida Pinto [diretora-adjunta, a quem reporta semanalmente «tudo» o que a sua equipa faz] e Maria Flor Pedroso [diretora de Informação]», invocando «ajustes na grelha».

Esta comunicação aconteceu, segundo Felgueiras, a 23 de agosto, cerca de um mês depois de ter informado a Direção de Informação da RTP da investigação que estava a fazer. «Comuniquei, naturalmente, à Cândida Pinto em julho que este [o lítio] seria o tema de andamento e de prossecução. Objetivamente, a reportagem que iria ser emitida a 13 de setembro era a reportagem do lítio, era isto que estava previsto», recordou.

«Nunca em 8 anos de programa tive uma suspensão durante um ato eleitoral», salientou. E acrescentou: «O programa estava previsto arrancar dia 13 de setembro, mas dia 6 havia um debate eleitoral entre António Costa e Catarina Martins. Curiosamente, dia 13, não houve nada, apenas a passagem do programa Joker para as nove da noite.»

Sandra Felgueiras fez ainda duras críticas à Direção de Informação da RTP, denunciando a precariedade que se tem vindo a observar na sua equipa – e lamentou, em jeito de comparação, as diferenças quer em número quer em estatuto de jornalistas entre o Sexta às 9 e o Linha da Frente.

«Em junho, com uma equipa esgotadíssima pelo trabalho, a diretora-adjunta perguntou a todos como se sentiam e alguns começaram a chorar. A diretora-adjunta não perguntou como é que eu me sentia, mas se perguntar quem fez o ‘Sexta às 9’ e chamar todos os repórteres, todos responderão que fui eu», criticou.

Mais tarde, acrescentou: «Peço que os senhores deputados compreendam que tudo aquilo que vou dizer hoje poderá ter repercussões profissionais, não só na minha vida como na vida destas pessoas.»

 

«João Galamba fez um contato via assessores à Direção de Informação»

 

Em resposta aos deputados da comissão de Cultura e Comunicação, Sandra Felgueiras revelou que Cândida Pinto foi informada, poucos dias antes do último ato eleitoral, de que João Galamba seria um dos visados no trabalho de investigação em questão.

Ainda segundo a coordenadora do programa Sexta às 9, o próprio secretário de Estado «fez um contato via assessores à Direção de Informação» da RTP, isto já depois da transmissão da reportagem. Sandra Felgueiras foi comunicada pela equipa de Maria Flor Pedroso de que Galamba iria, então, estar presente no programa.

 

O que diz Maria Flor Pedroso

 

Depois de Sandra Felgueiras, foi a vez de Maria Flor Pedroso ser escutada pelos deputados da comissão parlamentar, começando por negar veementemente que tenha sido alvo de coação para adiar a reportagem. «Isto são as chamadas pressões. O jornalismo político é um jornalismo em que nós somos pressionados constantemente por fontes várias. Interferência? Seria coisa que eu jamais toleraria. Eu e a equipa que dirijo», garantiu, para depois acrescentar: «Nenhum de nós tem algum currículo que possa alguém pensar que nós seríamos permeáveis a alguma interferência de seja de que governo for. Deste, de anteriores… Eu já passei por vários primeiros-ministros, por vários Presidentes da República, eu e a minha equipa, portanto seria intolerável que tal acontecesse.»

Maria Flor Pedroso justificou, então, o facto de a sua Direção ter adiado o regresso do programa Sexta às 9 com a cobertura jornalística que a RTP pretendia dar às eleições legislativas. E lembrou que este não foi o único formato ausente da antena da estação estatal nesta altura. «Foi preciso sacrificar alguns formatos», tais como Prós e Contras, Grande Entrevista e Linha da Frente. «Nunca passou pela nossa cabeça alguma vez acabar com o programa» Sexta às 9, clarificou.

Confrontada com os trabalhadores precários na Informação da RTP, denunciados por Felgueiras minutos antes, Pedroso confirmou que «a RTP ainda tem falsos recibos verdes», mas que lutará contra este flagelo.

 

Texto: Dúlio Silva; Fotografias: Impala
PUB