Pedro Tochas confessa: «Tive uma crise de meia-idade»

Adora atuar ao vivo e o seu palco preferido é a rua. Sem filhos e sem medo das opiniões, vibra no Got Talent ao ver as Artes serem valorizadas, mas no ano passado pôs tudo em causa. Saiba porquê!

15 Mar 2020 | 17:20
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Durante uma conversa divertida, o humorista conta que nem sempre teve confiança no seu talento.

TV 7 Dias – Quase trinta anos de carreira já…
Pedro Tochas – Ui! Já são quase 28.. o pessoal às vezes pensa que eu apareci com o Got Talent Portugal mas não. É como quando vais ver um espetáculo no teatro, vemos apenas uma hora e meia e esquecemos de tudo o trabalho que está por detrás.

Antes do Got Talent, houve o anúncio a uma água com gás, em 2006…
O Frize foi espetacular! As pessoas diziam ‘epá qual é a sensação de ter sucesso do dia para a noite?’ eu respondi ‘é ótimo, sou demorou 13 anos’.

E qual é o balanço destes 28 anos?
No outro dia estava a pensar nisso. A verdade é que não sei fazer mais nada. Uma carreira tem momentos bons e momentos maus. Cheguei à conclusão que os mau momentos são importantes, como um espetáculo correr mal ou não estares a conseguir criar ou transmitir algo, isso é bom para dares valor ao que corre bem. Tem sido um percurso giro, permitiu-me andar por 25 países a fazer espetáculos ao vivo, conhecer outras culturas. A vantagem de ser artista de rua é que quando vais para uma cidade e fazes um espetáculo num local público já não és turista, passas a fazer parte daquela cidade. Gosto de sentir e estar com as pessoas, aquela comunhão, o sentir que é uma coisa efémera. Estar numa rua, que é um ambiente tão estéril, durante uma hora transforma-se num mundo mágico. E depois tenho a oportunidade de fazer parte da família Got Talent, eu adoro ver espetáculos e pagam-me para isso! (risos) Por ano vejo em média entre 100 a 150 espetáculos.

É a sua quinta participação no Got Talent…
Sim. Eu e o Manel somos os únicos que estamos lá deste o início. Nós somos amigos ao contrário do que as pessoas pensam, é por isso que dá para picá-lo, nota-se que não há maldade é só implicação. As pessoas adoram isso!

Por ser artista, o seu contributo é importante para a avaliação?
Temos todos opiniões diferentes, aí é que está a beleza. Eu tenho uma visão diferente porque venho de uma área da comédia, do circo. Gosto principalmente da parte em que a pessoa sai de lá com o coração cheio. Tivemos alguns concorrentes este ano que não tinham muita técnica mas compensavam com o magnetismo e dedicação.

Acha que o programa evoluiu com o tempo?
Eu noto que as pessoas já trabalham para o Got Talent. Aconteceram coisas que deram-me um gozo incrível, ou seja, pessoas que vão lá, não passam e em vez de deprimirem, vão para casa trabalhar, voltam e são botão dourado. Uma carreira artística é uma maratona. O Got Talent mostra isso, mostra em prime time artistas como estrelas, artes que até há uns anos só apareciam nos programas da tarde a “encher”.

Revê-se nestas “estrelas”?
Como também sou artista, até me doi quando corre mal. Este ano tivemos um rapaz que estava a fazer malabarismo e o no truque mais fácil desconcentrou-se. Eu sei o que é sentir quando algo corre mal, não tenho prazer nenhum nestas atuações. E a coisa que mais me doí é dizer um não aos concorrentes.

Quantas vezes já tocou no botão dourado?
Toquei sete vezes.

O que procura num participante para tocar no botão dourado?
Nunca sei, é algo que sinto na altura. Neste ano foi o Tiago, eu estava a olhar para ele, deixei os outros jurados comentarem a sua prestação porque sabia para onde ele ia no final. E nós não sabemos a história de vida dos concorrentes. Nós só analisamos o que eles fazem naqueles dois minutos. Foi um momento maravilhoso.

E quando chega a altura dos diretos?
Ui! Adoro os diretos, adoro a evolução da audição para o direto, ainda por cima fica mais produzido para televisão. É ver o diamante em bruto e depois o diamante a brilhar!

O seu próprio percurso é curioso. Deixou o curso de engenharia química para fazer malabarismos com fogo, daí a sua alcunha ‘Tochas’…
Se for analisar há 27 anos estou a tirar engenharia química, estamos a falar numa altura em que Portugal e as Artes não são como agora, o curso de engenharia é uma carreira segura e a decisão foi ser artista de rua. Foi a pior decisão de todos os tempos com a informação que eu tinha. É uma vida em que não sabes para onde aquilo vai. Agora o pessoal diz ‘foi uma boa decisão’. A posteriori é tudo fácil. Podia estar melhor ou pior, a pessoa nunca sabe. Já fiz espetáculos muito difíceis.

Na altura criticaram muito a sua decisão?
Eu sou de uma terra pequena, de Avelar, perto de Ansião, Coimbra, aquela zona. O pessoal não percebia muito bem o que é eu que estava a fazer. De repente eu sou o primeiro da minha família a ir para a universidade e depois deixo de ir. O meu pai era uma pessoa simples, trabalhava numa fábrica, a minha mãe é costureira e o pessoal dizia ‘o teu filho é palhaço’ ou ‘então o palhaço do teu filho’, mas há várias maneiras de dizer palhaço. E depois a Frize acontece e dizem ‘Ó Zé, sempre acreditei no rapaz’.

E os seus pais como lidaram com a situação?
Por acaso nisso tive sorte. Eles não percebiam bem, mas apoiaram-me quando começaram a perceber que eu levava isto a sério. A minha mãe tinha dificuldade em ver os meus espetáculos de rua, pensava ‘ai e se alguém refila contigo, eu vou me revoltar’!

Qual foi o que espetáculo que lhe marcou mais?
A minha profissão e o meu hobby são a mesma coisa. Eu adoro fazer e ver espetáculos. Vou a muitos festivais e tento sempre ver espetáculos fora do comum. Há festivais em que por participar num, dá-me um passe e tenho acesso a todos os outros de graça. Mas, o que mais gostei e o país em que senti que sou um artista de rua internacional foi em Edimburgo, no festival Fringe. Este ano, por acaso é curioso, estou a pensar ir, vai ser a minha vigésima quarta vez e eu tenho quase 48 anos, portanto, metade da minha vida foi passada neste festival. A primeira vez que fui lá senti mesmo que era isto que queria fazer. Durante uns anos só ia ver, até que ganhei coragem e fiz um espetáculo lá. Pensei ‘se consigo fazer aqui, consigo fazer em qualquer parte’.

Foi isso que aconteceu?
No ano passado tive uma crise de meia-idade. Com o Got Talent, as filmagens coincidiam com as datas dos festivais e tinha que estar cá, por isso durante quatro anos não fui. Estava com 46 anos, a pessoa começa a acomodar-se um bocado e pensei ‘será que ainda consigo fazer um espetáculo? Será que ainda tenho garra para atrair o público? Será que ainda consigo fazer um espetáculo à chuva para 20 pessoas?’ Então marquei uma tour de 4 meses para a Nova Zelândia e para a Austrália. Falei com produtores que conhecia, eles arranjaram-me imensos festivais, andei de um lado para o outro durante quatro meses completamente à deriva. No meio a minha mulher, Raquel, veio ter comigo. Fizemos um road trip.

Como é a profissão de artista de rua?
O festival paga-te o alojamento, paga as viagens de deslocação, é uma profissão como outra qualquer. Eu fazia palestras em Portugal, com o dinheiro das palestras permitia-me estar há vontade nestas coisas.

Passa muito tempo fora de Portugal?
Há uns anos passava mais. Passava meio ano, entre quatro, sete, oito meses fora. Era vida que eu gostava.

Reparei que a Raquel também veio consigo…
Sim. Estamos juntos há 15 anos, casados há nove. Trabalhamos juntos, ela é minha produtora executiva.

Como é trabalhar com a sua esposa?
Estamos sempre a refilar um com o outro, só fazemos as pazes através de sexo (risos). Somos um grupo, sou eu, o Telmo Ramalho e a Raquel. Criamos os três a companhia. A Raquel é a pessoa que nos corta, ela diz ‘vocês inventam e eu edito.’

Onde se conheceram?
A Raquel viu um espetáculo meu e tínhamos um amigo em comum. Ele apresentou-nos quando demos por isso… passou 15 anos.

E também é a sua companheira de viagens…
Sim, só não me acompanha quando há festivais em que não se justifica. Adoramos fazer road trips e tentamos conciliar as duas coisas.

E filhos?
Não temos, foi uma decisão como outra qualquer. Temos os cães, não dá para tudo. E temos sobrinhos que já nos matam a cabeça. (risos)

Nunca pensou fazer um espetáculo com o seu cão?
Já! Mas ela chumbava logo. A Pipoca não faz nada! Gosto muito dos meus cãezinhos, são os meus amigos, estamos sempre em aventuras.

O cabelo também é imagem de marca…
Sim! Enquanto dura! O homem com a idade, o cabelo vai embora! Eu gosto, acho graça ao cabelo assim, enquanto achar graça…

O que falta concretizar?
Agora é só curtir. Experimentar novos ângulos dentro do mundo do espetáculo. A vantagem de estar com 47 anos é que neste momento faço coisas que me dão prazer a mim. Há um tempo que fiz as pazes comigo próprio, sei que nem tudo vai correr bem. Vai haver sempre pessoas que não vão gostar, se me focar nisso, não faço nada. E não é por não gostarem que é mau.

Texto: Carolina Sousa; Fotos: DR

 

(Artigo originalmente publicado na edição 1721 da revista TV 7 Dias)

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