Jornalista da TVI apanhado com “imensa falta de credibilidade” em tribunal

Segundo a juíza, Emanuel Monteiro apresentou um discurso com “várias incoerências” durante o depoimento do caso em que o ex-namorado, André Carvalho Ramos, era acusado de violência doméstica.

18 Nov 2020 | 21:40
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“Imensa falta de consistência e credibilidade das suas declarações”. É desta forma que a juíza Marta Gonçalves da Rocha descreve, na sentença do caso de violência doméstica que envolve dois jornalistas da TVI, o relato de Emanuel Monteiro sobre as agressões que diz ter sofrido nas mãos de André Carvalho Ramos.

A TV 7 Dias teve acesso à decisão do tribunal, que culminou com a condenação do segundo jornalista, não por violência doméstica mas por três crimes de ofensa à integridade física simples do primeiro, e nela pode ler-se a forma como a juíza analisa o depoimento de Emanuel Monteiro.

“De forma resumida, o assistente confirmou a relação amorosa com o arguido, as discussões permanentes, os ciúmes, e depois, respondendo ponto por ponto à ordem cronológica constante do despacho de acusação, confirmou integralmente tudo quanto vem descrito. No entanto, e sem embargo da fluidez do seu discurso, foram encontradas várias incoerências/inconsistências e irrazoabilidades no conteúdo do mesmo que fragilizaram de forma irreversível a sua versão dos acontecimentos“, atenta a magistrada sobre o relato da vítima.

De salientar que “o tribunal foi confrontado com o silêncio do arguido, por confronto ao extenso relato do assistente”. Ou seja, André Carvalho Ramos não prestou declarações em tribunal sobre a imputação que lhe era feita da prática em autoria material, na forma consumada, de um crime de violência doméstica. A TV 7 Dias sabe que esta decisão foi tomada no seguimento das incoerências observadas no relato do ofendido, que se constituiu assistente no processo, em tribunal.

A acusação partiu do Ministério Público, em dezembro do ano passado, um ano e meio depois de Emanuel Monteiro ter afirmado, nas redes sociais, que tinha sido vítima de violência doméstica. A sentença foi lida, na passada segunda-feira, no Campus de Justiça, em Lisboa.

 

Emanuel Monteiro disse que não falava com André Carvalho Ramos há mais dois anos, mas há registos do contrário

 

Há várias inconsistências no discurso de Emanuel Monteiro apontadas pela juíza Marta Gonçalves da Rocha na sentença. Uma delas diz respeito ao episódio mencionado pela vítima nas redes sociais e que desencadeou a acusação do Ministério Público.

“A respeito das agressões alegadamente ocorridas na sua residência, em outubro de 2017, [Emanuel Monteiro] descreveu que o arguido lhe desferiu socos e pontapés por todo o corpo, durante cerca de duas horas, e que deste comportamento teriam resultado (apenas) 2 hematomas nos olhos e o lábio rasgado, e sem necessidade de tratamento hospitalar”, aponta a magistrada.

Emanuel Monteiro afirmou ainda, em tribunal, que “o ultimo contacto/comunicação/encontro pessoal com o arguido ocorreu no dia do aniversario deste (maio de 2018), encontrando-se documentados nos autos inúmeros emails trocados entre ambos, com data posterior, evidenciando o seu teor, intimidade entre os dois“.

A circunstancia de ter sido o próprio quem decidiu dar publicidade a estas alegadas agressões, através de publicações em redes sociais, ao invés de recorrer às autoridades competentes (o que só decidiu fazer mais tarde)“, é também sublinhada na sentença.

Entende a juíza que a conjugação destes fatores, “sobretudo quando concertados com a ausência de prova concreta quanto a determinados episódios, e a existência de relatos contrários por parte de testemunhas presenciais, quanto a outros, fez com que o Tribunal não obtivesse a segurança necessária em processo penal para alicerçar a sua convicção nas declarações do queixoso, remetendo a decisão quanto aos factos provados, pela sua confirmação por parte de testemunhas presenciais, e quanto aos factos não provados, pela aplicação do principio in dúbio pro reu, ou por ausência de prova.”

 

Os factos provados que levaram à condenação de André Carvalho Ramos

 

Entre os mais de 50 factos que constavam da acusação do Ministério Público, respeitantes a momentos anteriores e posteriores à relação de dois anos vivida pelos dois jornalistas da TVI, só três conseguiram ficar provados em tribunal.

O primeiro remonta à noite de 14 de dezembro de 2016 e ocorreu na discoteca Jézebel. Conjugados os depoimentos de várias testemunhas, “deles resulta a convicção de que o arguido, independentemente do propósito que tinha, puxou o assistente por um braço, usando de força suficiente para provocar a sua queda no solo, não obstaculizando esta convicção a circunstância de uma testemunha presente no local não ter observado a queda do assistente, dado o local onde se encontravam (em final de noite, em discoteca, com a maioria dos presentes sob efeito do álcool).

Provado foi também que, no dia 1 de maio de 2017, no interior do Centro Comercial Colombo, “na sequência de o ofendido receber uma mensagem no seu telemóvel pessoal, o arguido tirou o telemóvel das mãos do ofendido e recusou-se a devolvê-lo, exigindo que o ofendido lhe dissesse o código do cartão, a fim de ler a mensagem rececionada”. “Tal exigência deu origem a uma discussão verbal entre ambos” e, já em casa, André Carvalho Ramos “puxou o ofendido para o quarto e fechou a porta”. “Do interior ouvia-se a voz exaltada do arguido, seguida de um estrondo (barulho de embate de um corpo na parede)”, acrescenta a sentença. Em tribunal, a irmã de Emanuel Monteiro, que se encontrava na mesma casa, “acrescentou ainda que, de seguida, o assistente saiu do quarto cabisbaixo e, interpelado pela testemunha, lhe relatou que o arguido o atirou contra a parede para tentar impedi-lo de sair do quarto”.

Quanto aos acontecimentos ocorridos na discoteca Trumps, na madrugada de 14 de outubro de 2017, ficou comprovado que, “enquanto dançavam na pista de dança, o arguido aproximou-se do ofendido e ‘beliscou-o’ por várias vezes no corpo, concretamente no flanco direito e esquerdo”. “Em consequência direta e necessária das condutas do arguido, o ofendido sofreu dores nas zonas do corpo atingidas, tendo o arguido agido com o propósito alcançado de provocar ferimentos no ofendido, e agido de modo livre, voluntário e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta é proibida e punida por Lei“, acrescenta, mais à frente.

Todos os outros factos não foram provados, quer pela ausência de prova, quer por testemunhos contraditórios. Num dos episódios que não ficaram comprovados, por exemplo, diz a juíza que “é pacifico na convicção do Tribunal que esta relação envolveu agressões susceptíveis de causar este tipo de lesões (ou outras), todavia, ante o descrédito das declarações do assistente e à mingua de depoimentos ou outros meios de prova, que demonstrem com firmeza e sobretudo com clareza e objetividade, o sucedido, não pode o Tribunal fazer corresponder a estas lesões atestadas pelas testemunhas os atos descritos no despacho de acusação, por não estar convencido da ocorrência dos acontecimentos nos termos em que vêm relatados.”

 

Condenado ao pagamento de 2800 euros, mais 1500 para o ex-namorado

 

Os factos provados “não são suficientes para se qualificar o comportamento do arguido como ofensivo da dignidade da pessoa humana” e, por isso, “não se encontram preenchidos os elementos do tipo do crime de violência doméstica“.

Procedeu-se, no entanto, à “alteração da qualificação jurídica dos factos, convolando a acusação pela prática de um crime de violência doméstica (…) na imputação ao arguido da prática de três crimes de ofensa à integridade física simples”.

Assim, entendeu o tribunal condenar André Carvalho Ramos como autor de três crime de ofensa à integridade física simples, na pena única de 400 (quatrocentos) dias de multa, convertida em 2800 euros. O jornalista da TVI foi ainda condenado a pagar a Emanuel Monteiro 1500 euros (era pedida uma indemnização de 6000 euros).

 

Na próxima edição da TV 7 Dias, que esta semana chega às bancas na quinta-feira, veja as fotografias captadas em exclusivo pela nossa revista no Campus da Justiça e leia as reações dos advogados à leitura da sentença.

 

Texto: Dúlio Silva; Fotografias: D.R.
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