Cláudia Lopes revela porque deixou o Sporting e regressou à TVI

Cláudia Lopes voltou à TVI depois de uma passagem de 9 meses pelo Sporting. A jornalista fala sobre o regresso ao jornalismo, a passagem por Alvalade e o impacto da pandemia na bola e no mundo. 

27 Jun 2020 | 9:00
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Como está a ser o regresso à TVI?

Neste momento, o regresso a qualquer sítio é estranho. Quando voltei e me perguntaram como estava a ser, eu respondi que era como ir ao domingo almoçar a casa dos pais depois de termos saído. O que está diferente é o ambiente. As pessoas trabalham de máscaras, não te aproximas… É reencontrar pessoas de quem gosto muito e, de repente, não lhes posso tocar. Como sou do toque, de mexer, de abraçar, é estranho. Fui ter com o Zé Alberto [José Alberto de Carvalho], que não via há imenso tempo e, de repente, ficámos a olhar um para o outro.’É com os os cotovelos? Como é que a gente se cumprimenta?’. Com o Pedro Pinto foi a mesma coisa… é uma coisa um bocado estranha. Tirando isso, é um bocadinho voltar a casa.

Esteve 2 meses à espera de voltar à TVI.

Estive como toda a gente, em stand by. Até porque tenho um filho muito pequeno [Simão, de 5 anos], que ficou em casa. Entretanto, o campeonato parou, os programas de desporto desapareceram todos porque as pessoas queriam especiais sobre a covid-19 e saber o que se passava. Não podemos falar sobre outra coisa quando a vida das pessoas está em jogo.  De repente, estar a falar na possibilidade de o campeonato voltar é só parvo! Naquela altura, não interessava nada. Não dava para voltar porque não havia programas. Do ponto de vista pessoal também tinha o meu filho em casa, portanto acabei por fazer o confinamento em modo mãe e depois voltei quando o mundo começou a respirar um bocadinho melhor. Até porque o tom do MaisFutebol é descontraído, de galhofa. Não se pode estar a fazer galhofa quando as pessoas não sabem se têm jantar para os filhos, emprego e se estão bem de saúde.

Houve algum momento, nestes dois meses de transição entre o Sporting e a TVI, que tenha pensado ‘e se eu não tenho trabalho?’.

Isso acho que toda a gente pensou!  Era suposto voltar no início de abril. Tinha tirado umas férias, ia levar o meu filho à escola.. e o mundo acabou! Estava e estou preocupada com a minha mãe, que tem 80 anos, estou preocupada com o meu filho porque, apesar de não haver muitos casos com crianças, não se percebe bem porquê. Porque, do ponto de vista médico, sabe-se muito pouco sobre este vírus! Naquele momento, não havia nada que eu pudesse mudar. Todos os media passaram por situações altamente complicadas: vendas, investimento publicitário… A TVI não é uma bolha e, no nosso caso, houve ainda a questão da Cofina [nr: que desistiu da compra do grupo Media Capital no início da pandemia]. Entrámos todos dentro de uma máquina de lavar gigante e andámos às cambalhotas durante dois meses.

 

Como é que a pandemia vai mudar o futebol?

Não se pode ter futebol à porta fechada. É um contrasenso. O futebol é festa, é a emoção dos adeptos. Como todas as outras indústrias, vai ter de esperar algum tempo. Neste momento, está em cima da mesa a decisão da Liga dos Campeões [ser realizada em Lisboa em agosto] e isso é estranhíssimo! Transmitir uma final da Champions e ouvir o eco, os treinadores a gritar. Quando eles levantarem a taça e tocar o hino da Champions vai ser um enorme vazio. Aquilo não é nada. Mas não podes parar. Este ano, uma das grandes consequências é a questão do dinheiro dos direitos de transmissão televisiva. Isto também mostrou uma fragilidade maior dos clubes do que aquela que os adeptos estavam à espera.

 

Ou evidenciou? Porque essa dependência dos direitos de transmissão já existia.

Quando a bola rola, o adepto quer é saber do golo e do penálti. Não quer saber das OPAs, das contas, dos relatórios. E isto mostra o lado mais frágil do futebol. Se o futebol vai aprender alguma coisa? Eu acho que o futebol tem muita resistência em aprender o que quer que seja. Porque as pessoas são as mesmas. E vai continuar a ter os seus vícios. Enquanto indústria, se os números [da pandemia] baixarem, podemos ter números reduzidos de pessoas em estádios, podemos tentar acabar com aglomerações de pessoas à volta dos estádios antes dos jogos. Agora, não acho que haverá futebol sem público durante muito mais tempo. Até porque a receita de bilheteira é muito importante para os clubes.

«Há coisas no mundo que não são tão fáceis para as mulheres como para os homens»

Quem é que a alicia a voltar para a TVI?

É o Sérgio [Figueiredo, diretor de informação da TVI]. Tudo se precipita por duas coisas que aconteceram em fevereiro. O facto de o Pedro Ribeiro ter sido convidado para a direção de programas. Era ele que estava a apresentar o MaisFutebol e há a questão de, nessa altura, a TVI ter anunciado que ia ficar com os direitos de transmissão do Europeu, no Verão. É nesse contexto que eu o Sérgio conversámos e que ele me desafia a voltar.

Esse período coincide com a criação do Conselho Estratégico de Comunicação do Sporting, no qual a Cláudia não foi incluída.

Eu não vou falar do Sporting.

 

Nem de quando foi convidada?

Quando fui, fui convidada.

 

Porque é trocou a TVI por um clube que estava num caos total?

Quem está no futebol há tantos anos como eu estou, há a curiosidade em saber como é isto mesmo por dentro. De repente, há a oportunidade de passar para o outro lado e perceber como é que a coisa funciona por dentro. Como é que as coisas se fazem, o porquê de muitas decisões, porque é que o jogador fala ou não fala. Porque nós que estamos deste lado achamos sempre tudo um bocadinho incompreensível. Há essa oportunidade única de adquirir conhecimento de como funciona o lado de lá.

E há a minha maneira de ser e de estar, a acreditar que seria possível fazer diferente. Que podia desmistificar um bocadinho, que podia aproximar os jogadores das pessoas. A coisa mais importante na indústria do futebol são os jogadores. Eles é que são os ídolos dos miúdos, eles é que levam as pessoas aos estádios. E o jogador está muito enfiado numa bolha e numa proteção absolutamente brutal. E muito afastado dessa proximidade com o adepto. E eu acho que se pode fazer diferente e continuo a acreditar nisso. Tem de haver vontade para fazer diferente mas, ao mesmo tempo, tudo tinha de ser um bocadinho diferente no futebol português.

 

Mas a Cláudia já sabia disso quando aceitou ir para o Sporting.

Mas acaba por ser um desafio hercúleo! E há outra questão: há coisas no mundo que não são tão fáceis para as mulheres como para os homens. E este é um mundo de homens. Todos estranhámos quando tivemos mulheres na Liga e, mesmo assim, nunca houve uma presidente. E há uma coisa que eu sei que sei: que é de comunicação, quer de televisão, quer de media em geral. E aquilo que me desafiaram para fazer não era para ser diretora de comunicação porque o Sporting não tinha nem tem diretor de comunicação. O que me desafiaram para fazer foi gerir as plataformas do Sporting. O meu cargo estava ligado a isso. Como em tudo na vida, uma coisa é o que tu achas que podes fazer outra coisa é a realidade que encontras. Continuo a achar que foi uma aprendizagem brutal, não me arrependo de todo e acho que aquele era o momento para aceitar. Fui, percebi, aprendi, depois, em fevereiro, o Sérgio vem ter comigo e diz ‘anda lá’.

 

Esse convite do Sérgio Figueiredo apareceu no momento certo?

Apareceu com uma coisa que agora não existe, que é o Campeonato da Europa. As provas grandes são as que fazem mexer a coisa. Eu tenho um carinho muito especial pelo Sérgio. Ele tem uma forma de me convencer a fazer coisas muito própria. Quando ele me apresenta os desafios, nunca lhe digo ‘não’.

 

Disse que aprendeu muito durante esse período mas há aqui uma evidência: o Sporting é um clube que, atualmente, é ingovernável. Teve essa sensação quando lá esteve?

[silêncio]

 

Sente que poderia ter feito mais alguma coisa no Sporting?

Dificilmente poderia ter dado mais do que aquilo que dei. Isso é impossível. Mas acho que em todas as situações olhamos para trás e, com o conhecimento, a experiência e os resultados, é sempre mais fácil dizer ‘ai, eu podia ter feito isto, aquilo ou o contrário’. No fundo, como em muita coisa na vida, it’s all about the money [o dinheiro é que importa]. Se há ou não há dinheiro para fazer tudo o que idealizas ou queres.

 

«A clubite ferrenha, aguda e crónica, é uma coisa que não entra na minha cabeça»

O MaisFutebol é uma exceção à regra nos programas de comentário desportivo. Tem um estilo descontraído…

… espero que não seja orgulhosamente só porque isso não é uma frase muito boa (risos)!

… o estilo é completamente diferente. Não há as picardias, as guerras, o histrionismo. No entanto, estes programas tornaram-se uma plataforma extremamente poderosa para pessoas construírem carreiras.

Mas eu não quero ir para a política! Se isso responde à sua pergunta, eu não quero ir para a política!

Não a Cláudia mas as figuras que este tipo de programas cria. E não estou apenas a falar de André Ventura…

Eu não falei em ninguém (risos)!

 

Mas estou eu a falar. Assusta-a o poder que estes programas têm?

São programas com muita audiência as pessoas obviamente utilizam estes programas como uma espécie de catapulta para os seus interesses. Isso é óbvio. Nós também podemos dizer que, no Mais Futebol, catapultámos pessoas para treinadores, para diretores da Federação, como foi o caso do João [Vieira] Pinto. Outros, como comentadores. Acho que sempre tivemos esse olho para as pessoas que podiam ter alguma qualidade. As pessoas vão ali como nossas convidadas.

Nós não deixamos de fazer as perguntas mas as pessoas não vão ali para serem enxovalhadas nem maltratadas. Acho que isso diz tudo. E nós gostamos do jogo pelo jogo, um bocadinho com a noção de que o futebol não é a coisa mais importante na vida das pessoas.  A questão da clubite ferrenha, aguda e crónica, é uma coisa que não entra na minha cabeça. Há uma frase que eu li algures, não sei de quem, que diz ‘as nossas vitórias são tão grandes quão maior é o valor do nosso adversário’. Em Espanha, o Real gosta de ganhar ao Barcelona e vice-versa. Se olharmos para o clássico em Espanha, desde que o Ronaldo saiu.. quando, de repente, o Messi não tem o Ronaldo, olhamos para aquilo e já não tem a mesma piada. Tem piada quando os outros são tão bons ou melhores e quando conseguimos ganhar.

 

Mas o discurso vigente não é esse. É o da guerra, do acicatar, do provocar. Nós olhamos para os programas que são líderes neste segmento e, se calhar, é isso que as pessoas querem ver.

Não contem comigo para isso. Nunca! Enquanto jornalista, já fiz registos completamente diferentes. Uma coisa é adequar o registo mas não contem comigo para o registo trauliteiro. Não me identifico com nada em que as pessoas tenham de gritar umas com as outras. Primeiro, porque eu não sou propriamente uma pessoa de um timbre muito fininho. Se alguém quiser gritar comigo, não vai ser fácil. Acho que isso não é modo de vida. Não é isso que eu quero ensinar ao meu filho. Imagine a vergonha que seria, um dia, o meu filho ligar a televisão e dizer ‘mas que figura é aquela que a mãe está a fazer?’.

 

Quando regressou à TVI, após sair do Sporting, ouviu algum género de ‘bocas’ como, por exemplo, ‘agora não vai ser imparcial’?

Nem admito isso a ninguém. Os meus princípios nunca estiveram à venda. Podem dizer isso, se quiserem, mas vão ficar a falar para o boneco.

 

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Como é que foram estes meses em casa com o seu filho?

Extraordinários. Não há nada melhor do que estar com o meu filho. É um privilégio poder acompanhá-lo todos os dias, ensiná-lo a andar de bicicleta, fazer os trabalhos de casa e ensinar-lhe uma série de coisas que ele jamais vai esquecer. Este foi o ano em que vi crescer mais o meu filho. Vi-o crescer e desfrutei disso de uma forma inimaginável. Nesse aspecto, foi a melhor coisa que teve o confinamento.

 

Como é que lhe explicou a pandemia?

Os miúdos absorvem tudo rapidamente, não fazem drama de coisa nenhuma se nós não dramatizarmos. Na escola, levam roupa de casa, desinfetam tudo, vai tudo em coisas de plástico e é tudo diferente também e eles não fazem drama absolutamente nenhum. Ainda não têm o chip do drama. Isso vem com a idade adulta.

E como foi com a sua mãe?

Custou-lhe um bocadinho, no início, aquela coisa de ficar em casa. Depois houve uma altura em que ela percebeu que a coisa podia ser, de facto, grave. E agora ainda não desconfinou. Continua em casa, sossegadinha. Nós fazemos as compras que ela precisa. É uma pessoa que tem 80 anos e precisa de ter juízo.

 

Para si, mudou alguma coisa?

Acho que nem nós sabemos o quanto mudámos. Já vemos muita luz ao fundo do túnel mas acho que ainda não saímos do lado de lá. Depois, depende da forma como cada um é perante a vida. Como eu vejo sempre o lado positivo, quero acreditar que vamos todos aprender alguma coisa com isto. Ao mesmo tempo, a idade já me vai dizendo ‘hmmm, não sei se vamos aprender tanto quanto isso’.

 

Texto: Raquel Costa ; Fotos: Tito Calado; Agradecimentos: Evidencia Belverde Atitude Hotel

 

(texto originamente publicado na TV 7 Dias nº 1737)

 

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